A internet não é simplesmente uma rede de computadores, é sim uma rede de pessoas, e como tal, está sujeita às leis vigentes nos países nos quais as pessoas se encontram.
Como toda e qualquer tecnologia, pode ser usada para o bem, ou para o mal. Assim como a gama de produtos, serviços e conteúdos que oferece, podem ser lícitos, ou ilícitos. Às vezes, a forma de uso é que está inadequada e não a tecnologia em si.
A questão da ética e da legalidade, no uso das tecnologias é antiga no Direito. Atualmente, vivemos sob a égide das três grandes leis de TI, que são a “Lei de Moore”, sobre o poder do processamento, a “Lei de Metcalfe”, sobre estar em rede, e a “Lei de Maxwell” que explica a revolução do wireless e da mobilidade. O que significa isso? Que somadas, estas leis impactaram completamente nossas vidas e mudaram nossos comportamentos.
E como ficam então as Leis do Direito Digital, responsáveis por reger as condutas dos indivíduos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, dentro deste cenário globalizado e em tempo real? De todas as transformações, a que gera maior conseqüência é estar em rede, que somado ao poder de processamento e a mobilidade, traz o efeito do “tempo real”, aonde a conduta de uma única pessoa pode afetar várias, em qualquer lugar do mundo.
Hoje, enfrentamos a polêmica questão trazida pelo crescimento das Comunidades Online, do tipo do Orkut. É sabido que não pode uma empresa colocar um serviço, mesmo que gratuito, disponível para usuários, e assim, infringir diversas leis, desde a Constituição Federal de 1988, que veda o anonimato, até o Código Penal no tocante aos crimes que têm sido praticados nestes ambientes.
No entanto, temos a falsa impressão de “terra de ninguém” passada pela rede, basta dar uma navegada, e após alguns cliques, pergunta-se: quem é o responsável pelos atos ilícitos cometidos através do uso desta comunidade? Até aonde vai responsabilidade do usuário e do próprio Orkut?
Ocorre que no caso do Orkut há uma série de envolvidos, bem como também de níveis de responsabilidade legal. Devemos distinguir primeiramente a responsabilidade em civil e/ou criminal e depois de acordo com quem a mesma se relaciona em termos de nexo causal, ou seja, se é o “Dono da Comunidade”, o “Participante”, a empresa prestadora do serviço “Orkut”, entre outros.
Na responsabilidade civil, o foco fundamental é o ressarcimento do dano causado, mesmo que isso seja imputado a quem não seja o legítimo causador do dano, mas que responda por quem o fez, e depois tenha então o direito de regresso contra o verdadeiro infrator.
Além disso, mesmo aquele que possui direito líquido e certo, se ultrapassar os limites da moral e dos bons costumes, também incorre em ato ilícito. É o que rezam os artigos 186 e 187 do Código Civil, junto com o de responsabilidade objetiva prevista pelo artigo 927.
Estas normas estão válidas, vigentes e se aplicam sim ao Orkut. Em que pese a alegação de que seus servidores estão em outro país, isso não o exime de responsabilidade frente as Leis Brasileiras.
Infelizmente, seu ambiente favorece os infratores. No âmbito civil as violações aos direitos da personalidade são as mais comuns, incluindo a Constituição Federal, especialmente o artigo 5º. Inciso X, que protege o direito a imagem, a honra e reputação das pessoas, bem como do Código Civil, no que tange regras contratuais de confidencialidade e sigilo, entre outras.
Já no Código Penal, a maior ocorrência são os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), além dos crimes contra direito autoral, uso não autorizado de marca e até concorrência desleal. Qual à responsabilidade do Orkut diante dessas infrações?
Em princípio, não há como o Orkut poder saber tudo o que está sendo feito em seus ambientes, mas ele tem sim o ônus de poder prestar informações de quem está nestas comunidades, e de retirar as mesmas do ar, imediatamente, no caso de denúncia de pratica delituosa ou conteúdo ilícito, quer seja por parte da vítima ou das autoridades, especialmente no caso de ordem judicial, já que muitas vezes não se consegue saber quem é o infrator, até mesmo para mover uma ação diretamente contra ele. Tanto é que assim tem entendido a justiça brasileira, em diversos casos.
Esta situação é agravada pois ficou comum na internet brasileira o uso de identidade falsa, o que já é um crime no Direito Brasileiro. Além disso, o provedor do serviço acaba por favorecer o anonimato, especialmente quando o mesmo é ofertado de modo gratuito, não exigindo dados de identidade e nem conferindo os mesmos, o que infringe a Constituição Federal de 1988.
Apesar de válida a afirmação de que o provedor de serviço de hospedagem não tem como garantir o conteúdo que é colocado no ar, sendo assim desconhece a licitude ou não deste conteúdo, também é certo que ao ser notificado que este hospeda conteúdo ilegal e mesmo assim nenhuma ação é tomada, responde solidariamente com o proprietário do conteúdo.
Esta situação aplica-se na imputação da responsabilidade civil referente ao Orkut, ou seja, criada uma comunidade “Fulano é ladrão” e, caso este (Fulano) notifique o Orkut requerendo a retirada do ar desta comunidade e esta solicitação não for atendida, cria-se a solidariedade entre o criador desta comunidade e o Orkut.
Há sim a responsabilidade do Dono da Comunidade e do Participante da mesma também. Que irão responder de acordo com seu envolvimento, em casos de ação, ou até mesmo de omissão, conforme reza o Direito Brasileiro.
Por isso, cabe ao usuário verificar com cautela o teor dos conteúdos das comunidades em que está participando, para não ser envolvido e responsabilizado por algum dano civil ou infração criminal.
Atualmente já há uma série de condutas digitalmente incorretas. As penas vão de mera multa, detenção e até 12 anos de reclusão, com possibilidade de se aplicar agravante de pena, uma vez que a Internet é um ambiente de comunicação social, além de demissão por justa causa, indenização, etc.
O exercício dos direitos e das liberdades depende de que tenhamos clareza sobre os limites de uso da própria tecnologia. Vale a máxima “diga-me com quem tu teclas que te direi quem és”.
Dra. Patricia Peck é advogada especialista em Direito Digital e autora do livro “Direito Digital” pela editora Saraiva.
Publicada em 23 de março de 2006 às 19h45
Atualizada em 23 de março de 2006 às 20h03
Fonte:
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